sábado, 18 de outubro de 2014

Escritor de Prudente conta como superou a vida no crime

Itamar Xavier de Camargo chegou em Presidente Prudente em 2006. Ele estava livre, mas ao mesmo tempo preso ao estigma de ser um ex-detento. Contudo, os nós que o faziam tropeçar foram pouco a pouco se desfazendo quando ele, por meio da educação, viu que poderia mudar seu presente sem ser refém de seu passado.
Hoje com 35 anos, em seu currículo constam graduação em pedagogia, especialização em psicopedagogia e MBA em gestão educacional, além de ainda cursar artes visuais e ministrar cursos e palestras. Tudo conquistado nesses últimos oito anos, agora também com a publicação do livro “A Verdade que Liberta”. A batalha na educação começou com o supletivo, já que ele havia deixado a escola na 5ª série do ensino fundamental e começado sua passagem pela antiga Fundação Estadual para o Bem-Estar do Menor (Febem).
"Minha primeira passagem pela Febem foi com 13 anos. Depois voltei quando tinha 16. Dessa vez, um professor estava escrevendo um livro e pediu para ilustrar uma das páginas. Perguntei se era difícil, e ele falou que era simples. Foi quando surgiu a vontade de escrever um livro", conta Camargo.
Foi também por uma de suas passagens pela Febem que o gosto pela leitura surgiu. “Na infância, nunca tive acesso aos livros, porém, na Febem, fui castigado por algo que fiz e fui mandado para o isolamento. Lá a única coisa que tinha para fazer era ler. ‘Veronika Decide Morrer’, do Paulo Coelho, foi meu primeiro livro e não parei mais. Mas tudo desandava quando eu voltava para a rua. Voltava a ler quando era preso. Devorei a biblioteca de algumas penitenciárias”, relembra.
De presidiário a escritor
Camargo nasceu em São Paulo, cresceu na periferia e presenciou um homicídio aos 7 anos. "Não tenho dúvidas de que o ambiente influencia os jovens a praticarem delitos, não justifica, é claro, mas contribui. Eu fui criado por um tio alcoólatra e uma tia intolerante. Também fui baleado muitas vezes", afirma.
Um das poucas coisas positivas que estar preso lhe trouxe foi ter largado as drogas.
“Comecei com cocaína, depois usei maconha, crack, álcool e cigarro. Por ter sido traficante, tinha quantidades à minha disposição quando quisesse. Foram mais de dez anos de uso. Na cadeia, o ambiente de violência me fez querer ficar lúcido, ficar esperto. Havia muita briga por causa de droga e eu não queria dar motivos para sofrer mais violência", enfatiza Camargo.
A última vez que cumpriu pena foi por roubo na capital. "Foram cinco anos preso e passei por vários lugares, como o Centro de Detenção Provisória [CDP] de Pinheiros e as penitenciárias de Montalvão e Lucélia. Como tinha familiares em Prudente, decidi vir para cá e acabei ficando", diz.
Em sua última reclusão, ele até escreveu um material, mas percebeu que o conteúdo não traria nada de bom para a vida de ninguém. Foram dois anos escrevendo seu livro, que fala sobre sua passagem pelo sistema carcerário e a superação dos obstáculos.
"É para que o egresso do sistema penitenciário tenha um norte. O ambiente na cadeia é difícil, de muita degradação e violência e, normalmente, já passava dificuldades antes de ser preso. Depois que sai, acaba passando por mais dificuldades. Ele compete no mercado de trabalho com outros mais qualificados e ainda tem o estigma do cárcere", ressalta o escritor.
Honestidade
A vontade de mudar veio depois que ele percebeu que as pessoas que conquistavam coisas boas possuíam um nível de escolaridade maior. "Terminei o ensino médio no supletivo. Foi um momento difícil, entreguei panfleto no farol, entregava gás e água e fui garçom. Fazia o curso de pedagogia, estava no segundo ano, e abriu uma vaga de assistente administrativo na Associação Betesda. Fiz a entrevista, contei o meu passado. Fui honesto e acabei contratado. Foi isso que me reergueu, quando conquistei meu primeiro emprego em 2009”, relata.
Além do estudo, Camargo frisa que os aspectos espiritual e psicológico ajudam muito. "Quando você vê que os princípios e os valores humanos são insuficientes, o aspecto espiritual te fortalece. Acreditar nisso leva você a querer mudar de verdade", comenta.
“A Verdade que Liberta”
Ele fala que o livro traz uma "vivência prática" de como vive um detento e um ex-detento. "Fui convidado a ministrar uma palestra a alunos do curso de serviço social. Quem me convidou queria sensibilizar para que eles pudessem acreditar que é possível a reintegração", fala.
A publicação foi "bancada por um amigo" e lançada na Bienal Internacional do Livro, em São Paulo, no mês passado. O lançamento em Presidente Prudente será neste sábado (13), no Centro Cultural Matarazzo, na Vila Marcondes, às 19h.
"Foi a conquista de um sonho, algo que desejava fazer na adolescência. Foi importante para mim e vai contribuir para a vida de algumas pessoas", diz Camargo. Além de ser possível comprar o livro na internet, as cópias podem ser adquiridas na Associação Betesda, que fica na Rua Dona Celcina, 315, no Conjunto Habitacional Ana Jacinta, onde hoje atua como coordenador pedagógico.
Orgulho
"Na minha família, todos ficaram surpresos com as coisas que venho fazendo, pelo fato de tudo que a fiz passar, os momentos de desespero em porta de cadeia, no hospital. De garoto problema passei a dar orgulho", conta.
Mesmo com as conquistas, o autor fala que a mudança é gradativa. "Não mudei da noite para o dia, foi ao longo desses oito anos que venho moldando meu caráter. A educação tem esse poder de nos tornar mais humanos. O que também contribui é o arrependimento. A mudança só vem a partir dele. Quando você se arrepende, passa a pensar nos outros e a não querer errar novamente", finaliza.

Redação Heloise Hamada, ifronteira

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